JUROS ELEVADOS, O PARADOXO DA SERVENTIA
- E.Moreno
- há 2 dias
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Muito além da proteção da moeda, juros elevados são também utilizados como elementos de atração de investidores em títulos de dívida e realimentam a dívida pública. Um paradoxo que se transforma em uma armadilha.
De maneira recorrente, os juros praticados no Brasil são atribuídos exclusivamente às decisões do Banco Central. Isso tem uma importante parcela de verdade, afinal é ele quem define a taxa básica que orienta as operações de crédito na economia nacional, mas não os seus limites. A taxa básica de hoje (e projetada até o final de ano), de 14,75%, acaba produzindo uma das maiores taxas de juros reais do mundo (se não a maior) como também encarecendo o consumo e até mesmo os investimentos produtivos. É o seu principal objetivo, o de controlar a inflação e proteger o poder de compra da nossa moeda. Mas, no Brasil, taxa elevada de juros tem também uma outra serventia, a de atrair investidores para a rolagem da dívida pública. (Vamos falar sobre isso mais à frente).
Como regra, dinheiro é uma mercadoria como outra qualquer, onde os juros representam o custo de antecipação do consumo e das oportunidades de investimento. Assim, tal como o feijão, quanto maior for a sua procura, maior é o seu preço. E aí entra a questão: quais agentes econômicos que mais procuram por dinheiro e, consequentemente, determinam o seu custo? As estatísticas do mercado de crédito respondem por isso. Primero, é preciso considerar que o Sistema Financeiro Nacional (SFN), operado pelos bancos e demais instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central, é apenas uma parcela do sistema de crédito na economia brasileira, visto o sistema geral é bem mais amplo. Dados do Banco Central demonstram que, em março deste ano, o saldo do crédito ampliado ao setor não financeiro (que exclui operações interbancárias) atingiu R$ 18,8 trilhões, equivalentes a 156,7% do PIB, o que mede a alavancagem da economia através do crédito. Do montante, segundo o BC, R$ 6,5 trilhões representaram os saldos de operações do SFN (34,6%) e, consequentemente, R$ 12,3 trilhões (65,4%) fora do SFN e resultantes dos saldos de operações de empresas não financeiras, fundos governamentais, títulos de dívida (incluindo os securitizados) e dívida externa. Nos últimos doze meses (base março) o crédito ampliado cresceu 13,3%, com avanços de 16,3% nos títulos de dívida e de 9,3% nos empréstimos do sistema financeiro nacional (BC), todos frente a um avanço de apenas de 3,0% do PIB, aproximadamente. Quando a procura por dinheiro cresce mais do que o setor produtivo, instala-se um hiato de produto, indutor de inflação, mesmo que os efeitos temporais do crédito sejam considerados.
Ainda em março, o saldo de empréstimos ao Governo Geral (governos federal, estaduais e municipais) era de R$ 7,9 trilhões (42,0% do total), segundo dados SGS Bacen, estava assim constituído:
> R$ 0,22 bilhão de empréstimos e financiamentos do SFN.
> R$ 6,65 trilhões em títulos públicos e
> R$ 1,12 trilhão em títulos de dívida externa.
Somam-se a isso outros compromissos (R$ 1,2 trilhão), representados por passivos da Previdência e Banco Central, perfazendo uma dívida pública de R$ 9,1 trilhões, equivalentes a 76% do PIB nacional. Desses, R$ 7,5 trilhões se referem à dívida pública federal (DPF), segundo o Tesouro Nacional.
Nota-se assim, que apenas uma parte mínima dos financiamentos ao governo geral provém do SFN e o restante vêm de investidores nacionais e estrangeiros - pessoas físicas e jurídicas. Na DPF, os detentores dos títulos são representados pelos Fundos de Previdência (24,08%), Instituições financeiras (30,47%), Fundos de Investimentos (21,47%), Não-residentes (9,62%), Governo (3,32%), Seguradoras (3,97%) e outros (7,04%). São investidores em títulos que são oferecidos pelo poder público, com critérios definidos de remuneração e resgate.
Hoje, dos títulos de dívida oferecidos pelo Tesouro Nacional (DPF), 46,38% estão indexados a taxas flutuantes, 28,01% indexados a índices de preços, 4,11% a câmbio e 21,44% com taxas prefixadas. No entanto, segundo plano de financiamento, o Tesouro Nacional fixou mudanças na oferta de títulos visando diminuir a fatia de títulos prefixados e aumentar a participação dos papéis corrigidos pela taxa Selic, de forma a criar maior atratividade por parte de investidores aos títulos. Ainda segundo o documento, a parcela da DPF vinculada à Selic deverá encerrar o ano numa faixa entre 48% e 52% do total (AgênciaBrasil), hoje de 46,38%.
Sendo assim, a expectativa do mercado é a de que a DPF ultrapasse a marca de R$ 8,5 trilhões (AgênciaBrasil) ao final de 2025 (contra os R$ 7,5 trilhões em março), quando cerca de R$ 4,5 trilhões poderão estar indexados à taxa básica de juros, de 14,75% aa neste ano e 12,50% aa em 2026, segundo Relatório Focus.
Tal montante (R$ 4,5 trilhões), quando comparados aos estoques de crédito no SFN (R$ 6,5 trilhões, podendo chegar a R$ 7,0 trilhões), temos um retrato de como a dívida pública é representativa no conjunto dos ativos financeiros, como também é dependente e fomentadora de taxas de juros mais elevadas; em especial quando a política do Tesouro Nacional deixa claro que a indexação à Selic faz parte da estratégia de rolagem da dívida, ofertando títulos de maior prêmio (juros reais embutidos na Selic) a médio e longo prazo . Há nisso uma premissa de que os juros básicos se manterão elevados por um bom tempo e em níveis suficientes para atrair investidores, permitindo assim fluxos financeiros necessários e indispensáveis para a gestão de uma dívida que ultrapassa a 63% do PIB. Assim, a dívida pública, se não define a taxa básica de juros, é fundamentalmente fomentadora de juros elevados.
Enquanto a dívida pública (em especial a DPF) esteriliza recursos superiores a 76% do PIB, que são sistematicamente retirados da economia real, os estímulos de prêmios de juros são elevados e realimentam de forma progressiva e autônoma a dívida pública. Pela previsão do Tesouro Nacional, a dívida pública do governo geral (DBGG) suba para 81,8% do PIB. Por sua vez, a IFI (Instituição Fiscal Independente), ligada ao Senado Federal, estima que a DBGG chegue a 84% do PIB em 2026, acima da projeção do governo.
Enquanto há resistência em se criar reformas representativas na economia, a armadilha criada põe em risco, não só a economia, mas também a própria gestão da dívida que a criou. Um paradoxo.
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